A minha caixinha
Abri a minha caixinha de recordações, selada com as marcas das descobertas constantes. Ali encontrei momentos de feitiço, de vivências únicas, relembrei aromas, os sabores, os rostos esquecidos.
Com pequenos símbolos, que hoje raptei do passado, percebi porque “recordar é viver”.
Vivi o meu primeiro dia de escola, cumprimentei as caras desconhecidas (para mim), que me olhavam como terreno por desvendar, puxei uma cadeira proporcional ao tamanho de quem quer aprender a escrever, pendurei a mochila encarnada, senti a dor de barriga ansiosa pela chegada do meu pai, percorri a pé o caminho de volta a casa, voltei a assustar-me com o cão que ladrou à nossa passagem.
Pulei uns aninhos e voltei a apaixonar-me por alguém de rosto rechonchudo, de olhos grandes, a mesma pessoa de quem recebi o meu primeiro presente de São Valentim: um chupa enorme em forma de coração, o qual acabei por partilhar com dois gulosos com quem compartilhei e compartilho grandes episódios de vida.
Mais uns aninhos e o rosto rechonchudo ganhou outra forma, idealizou conquistas, pegou na guitarra e juntos subimos a um palco, onde a voz nervosa se acalmou com os primeiros acordes.
Depois…o primeiro amor e com ele o primeiro beijo, os abraços escondidos, as promessas feitas olhos nos olhos. Com ele a primeira desilusão, a primeira noite sem dormir, as primeiras confissões ao travesseiro.
Hoje, na caixinha das memórias voltei a viajar com os meus amigos pela primeira vez, do cimo do castelo fizemos caretas para a fotografia, corremos pelas ruas estranhas, demos abraços e partilhamos o primeiro cigarro, a primeira saída à noite, o primeiro nascer do sol em conjunto.
Continuei a escrever a minha história.
No virar da folha, vi pela primeira vez o rosto ao lado do qual construí a primeira relação séria. A pessoa de quem ouvi receios de me perder, na qual depositei tudo o que tinha para dar, a primeira pessoa cujo amor ruiu com as tentativas de me privar do meu próprio destino.
Voltei a ver morrer pessoas com quem, erradamente, me imaginei a viver lado a lado.
Vivi a despedida mais dolorosa, onde as lágrimas não caíram para dar incentivo a quem mais precisava. O primeiro telefonema após a partida, onde se encobriram soluços de saudade.
Naquela caixinha vi-me sentada a um canto, sem vontade para me erguer. Mas, daquele canto fui resgatada pelo melhor que podemos ter na vida: os amigos.
Da caixa já foram, neste momento, retirados, quase todos os objectos do passado. Para reviver faltam, somente, os primeiros passos na universidade. Momentos que, certamente, me foram concedidos para me conhecer. Um mundo novo, onde conheci pessoas de uma alma imensa, com sonhos análogos aos meus. Um mundo, onde encontrei um novo amor. Com quem desejo desbravar novos caminhos, vivendo pela primeira vez uma canção em uníssono.
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